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Do recebimento definitivo tácito de obra pelo Ente Público Contratante

29 de maio de 2023 | Por

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Atualmente, presenciamos a transição das normas regulamentares gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio de farta alteração legislativa.

Em 1º de abril de 2021, entrou em vigor a Lei nº. 14.133/2021, objetivando a substituição dos ditames dispostos na famosa Lei nº. 8.666/1993, dentre outras, que, até então, era a normativa geral acerca das licitações e contratos administrativos.

Como regra de transição, estabeleceu-se que os instrumentos assinados antes da vigência da Lei nº. 14.133/2021 permaneceriam regidos pela Lei nº. 8.666/1993, enquanto inicialmente pelo prazo de dois anos contados da publicação da nova normativa, o ente licitante poderia optar por qual legislação regeria o certame.

Contudo, por meio da Medida Provisória 1167/23, o prazo para Administração optar pela regência da Lei nº. 8.666/1993 foi ampliado até 29 de dezembro de 2023, com a norma ainda estando pendente de apreciação pelo Congresso Nacional.

Portanto, apesar do lapso temporal da aprovação da nova legislação, ainda há considerável número de processos licitatórios e contratos administrativos regidos pela Lei nº. 8.666/1993.

Então, não é de se estranhar a permanência de discussões acerca da antiga legislação, já que seus efeitos permanecem no ordenamento jurídico pátrio.

Assim sendo, relevante mencionar que a Lei nº. 8.666/1993 estabelece um rito para o recebimento do objeto contratual, envolvendo, em síntese, as etapas provisória e definitiva.

No caso em que o objeto contratual é uma obra, o recebimento provisório deverá ser realizado em até 15 (quinze) dias da comunicação escrita de sua finalização. Por sua vez, o definitivo será efetuado após o decurso do prazo de observação ou vistoria.

É certo que o Contratado não pode permanecer ad aeternum aguardando uma manifestação por parte do ente público. Assim, pelo disposto no 3º do art. 73 da Lei nº. 8.666/1993, o prazo para recebimento definitivo não poderia superar os 90 (noventa) dias, salvo expressa e fundamentada previsão editalícia.

O §4º do mesmo dispositivo prevê que se dentro dos prazos legais o Termo Circunstanciado não for assinado ou o ente público não realizar a vistoria, reputar-se-ão como realizados, desde que comunicados à Administração nos 15 (quinze) dias anteriores ao exaurimento destes.

Ou seja, é possível haver o recebimento tácito de obra, dependendo, então, da caracterização da inércia da Contratante, diante de clara e tempestiva comunicação desta possibilidade por escrito pelo Contratado.

Em que pese a previsão legal de comunicação da Contratante nos 15 (quinze) dias anteriores à exaustão do prazo para assinatura do Termo Circunstanciado ou realização de vistoria, o Tribunal de Contas da União já reconheceu o recebimento tácito por análise da conduta do ente público, bem como considerando o elevado lapso temporal:

Destarte, a questão atinente à formalização do recebimento definitivo do objeto do contrato 052/2005 foi solucionada tacitamente na própria conduta adotada pelo TSE, que não fez, tempestivamente, ressalva alguma acerca da conformidade do produto final recebido, e tampouco nomeou comissão para proceder ao recebimento definitivo dentro do prazo estabelecido no art. 73, §3° da lei 8666/93. Além disso, o fato de levar a cabo a licitação da obra com o projeto recebido provisoriamente, reforça a tese de que TSE atribuiu uma suposta conformidade ao projeto executivo entregue em caráter provisório pelo escritório de arquitetura e urbanismo Oscar Niemeyer S/C Ltda.

(…)

Cabe ressaltar que a conduta do TSE em não fazer ressalvas acerca da conformidade do produto final recebido, e tampouco ter nomeado comissão para proceder ao recebimento definitivo dentro do prazo estabelecido no art. 73, §3º da Lei n. 8.666/93, resultou em um recebimento definitivo tácito”.

(Relatório de Auditoria TC 013.713/2010-8, Plenário do Tribunal de Contas da União, Rel.: Ministro André de Carvalho, Data da sessão: 25.03.2015).

Por esse entendimento, descabe ao ente Contratante adotar conduta contraditória, atuando como se houvesse recebido definitivamente a obra, porém sem proceder com a assinatura do Termo Circunstanciado, como prelecionado na alínea “b” do inciso I do art. 73 da Lei nº. 8.666/1993.

Semelhantemente ao entendimento supracitado, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) divulgou Manual de Gestão e Fiscalização de Contratos, indicando a possibilidade de recebimento definitivo da obra na hipótese de comunicação da Contratante dentro do prazo legal ou, em não havendo essa notificação, após elevado transcurso de tempo, por meio de procedimento técnico específico:

A regra é que a Administração Pública proceda ao Recebimento Definitivo da Obra, sendo certo que a omissão da administração, relativamente ao prazo de 90 dias, constitui conduta irregular, incompatível com o previsto na Lei 8.666/93. Nesta seara, destaca-se que o recebimento da obra é ato de grande relevância, pois é o momento em que os vícios, as desconformidades da obra com os projetos e com os termos contratuais e outros problemas devem ser apontados pela Administração, para fins de correção imediata pelo contratado.

Diante da omissão da administração e desrespeito ao prazo de 90 dias estabelecido pelo art. 73, §3º, da Lei 8.666/93, o contratado pode promover a notificação a respeito do descumprimento do prazo, para que a administração promova o recebimento definitivo do objeto contratual.

Se, passados 15 (quinze) dias da notificação, a administração não adotar nenhuma providência, configura-se o recebimento definitivo ‘tácito’ estabelecido pelo art. 73, §4º, da Lei 8.666/93.

Nas situações em que o contratado não tenha promovido a notificação à Administração e tenha ocorrido grande lapso temporal entre a conclusão dos serviços e a identificação do não recebimento, as unidades gestoras deverão elaborar nota técnica contendo informações e documentos que comprovem a prestação dos serviços contratados, de maneira a atestar o recebimento tácito daquele contrato e, posteriormente, proceder com as devidas atualizações nos sistemas de medição”. (DNIT, 2020, p. 49).

Assim, um Órgão da União também aplica a interpretação de possibilidade de recebimento definitivo de obra, ainda que não haja propriamente a comunicação dentro dos 15 (quinze) dias finais do prazo para assinatura do Termo Circunstanciado ou realização da vistoria.

Feitas essas considerações, há que se ressaltar que a Lei nº. 14.133/2021 excluiu os prazos máximos para os recebimentos provisório e definitivo, estabelecendo, no seu art. 140, §3º, que “serão definidos em regulamento ou no contrato”.

Também, não há mais expressa previsão da possibilidade de recebimento tácito de obra, ocasionando preocupante lacuna na legislação, que provavelmente, com o decorrer do tempo, será elucidada pela jurisprudência.

Interpretamos que a exclusão do recebimento tácito é preocupante, já que não há precisos esclarecimentos, ou previsão de medidas, que possam ser adotadas pelo Contratado na hipótese de transcorrer o prazo, que agora não consta mais em lei, para que o Contratante efetue a vistoria ou providencie a assinatura do Termo Circunstanciado.

Até que se elucide a questão, seja pela pacificação jurisprudencial, seja por alteração legislativa, não será possível uma análise completa do mérito, contudo, reitera-se que a referida omissão é fator inquietante e desnecessário, que merece atenção especial por parte dos licitantes, de modo a, antevendo regulamentos e contratos que não prevejam essas regras, utilizar ao máximo as janelas de oportunidade para advogar por sua inclusão.


Referências bibliográficas

Brasil. Lei nº. 14.133/2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 200, 01 abr. 2021.

___. Lei nº. 8.666/1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 172, p. 8269, 22 jun. 1993.

___. Tribunal de Contas da União (Plenário). Relatório de Auditoria TC 013.713/2010-8. Data da sessão: 25.03.2015.

DNIT. Manual de Gestão e Fiscalização de Contratos. 2ª ed. Brasília, 2020.

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