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Da discussão de constitucionalidade da penhora de bem de família do fiador de um contrato de locação comercial

30 de agosto de 2021 | Por

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Julgamento em andamento do tema 1127 no Supremo Tribunal Federal

 

Por José Rodolfo Alves e Ricardo Weberman

Inicialmente, vale registrar que a matéria em discussão estava pacificada no Judiciário, com o entendimento de que a penhora de bem de família de fiador de um contrato de locação comercial não infringe a Constituição Federal, aplicando integralmente a permissão disposta no artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90.

“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…)

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”

Inclusive a referida norma legal já havia sido declarada constitucional pelo STF no ano de 2010, gerando, então, o TEMA nº 295. Também foi editada, em 14/10/2015, uma súmula no STJ sobre a matéria, a de nº 549, que definiu: “é válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”.

Contudo, em julgamento realizado em 12/06/2018, exarado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 605.709/SP, foi proferido um entendimento divergente, mudando o cenário no Judiciário, com o fundamento de que o fiador em contrato de locação comercial possui o mesmo direito à impenhorabilidade do bem de família que se aplica ao locatário, com a proteção de seu direito à moradia. Conforme ementa que segue:

“EMENTA: a restrição do direito à moradia do fiador em contrato de locação comercial tampouco se justifica à luz do princípio da isonomia. Eventual bem de família de propriedade do locatário não se sujeitará à constrição e alienação forçada, para o fim de satisfazer valores devidos ao locador. Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador […]”.

Apesar de se tratar de uma decisão esparsa e não vinculativa, o debate sobre a constitucionalidade da normal legal (inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90) voltou à tona, resultando na mudança de entendimento em algumas Câmaras dos Tribunais Pátrios, que passaram a utilizar a fundamentação lançada no acórdão do aludido Recurso Extraordinário (605.709/SP) para liberar o bem de família de fiadores que figuraram em contratos de locações comerciais. E o mencionado julgado também originou inúmeros recursos à Corte Suprema, intentados pelos Fiadores que não conseguiram a liberação do bem de família nas instâncias inferiores.

Com isso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu novamente a repercussão geral sobre a matéria, gerando o TEMA 1127, para definição do Plenário sobre a constitucionalidade ou não da penhora de bem de família do fiador do contrato de locação comercial, no Recurso Extraordinário (RE) 1307334, que tem como Relator o Ministro Alexandre de Moraes.

O julgamento foi iniciado na Corte Suprema no último dia 05/08/2021, data em que houve a leitura do relatório e a realização das sustentações orais, especialmente dos setores da sociedade interessadas no tema, assim como pela Procuradoria-Geral da República, sendo em seguida determinada a sua suspensão.

Em 12/08/2021, ao retornar o julgamento, o Ministro Alexandre de Moraes (Relator) votou no sentido de negar provimento ao Recurso Extraordinário, propondo a seguinte tese: “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial“, sendo acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso, Nunes Marques e Dias Toffoli.

Porém, houve voto favorável ao Recurso Extraordinário do Ministro Edson Fachin, que lhe deu provimento para declarar a impenhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação não residencial, propondo a seguinte tese: “É impenhorável o bem de família do fiador de contrato de locação não residencial”, no que foi acompanhado pelos Ministros Rosa Weber, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski.

Em seguida, o julgamento foi novamente suspenso, não existindo ainda data designada para a continuidade/finalização da votação. Até o momento o julgamento está empatado em 4 votos para cada lado. Ainda faltam mais 03 votos, dos Ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e do Ministro que está próximo a ser nomeado, em substituição ao Ministro Marco Aurélio.

O voto que dá provimento ao Recurso Extraordinário vai no sentido de que há inconstitucionalidade na norma legal pela afronta direta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, proteção à família e direito irrestrito à moradia.  E há também a defesa ao princípio da isonomia, na medida em que o devedor principal, afiançado, não sofre risco de penhora e tem consagrado o seu direito à manutenção e proteção de seu bem de família, o que de fato não ocorre com a fiador garantidor.

Aliás, o parecer da Procuradoria Geral da República, de lavra do Procurador Augusto Aras, envereda a impenhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de aluguel comercial, assentando pelo direito de moradia, proteção da família e dignidade da pessoa humana, salvo, porém, no caso de fiança onerosa.

Já o voto do Ministro Relator, que nega provimento ao recurso, assenta que o legislador não fez qualquer ressalva na Lei no tocante à restrição da possibilidade de penhora do imóvel do fiador de contrato de locação comercial e que deve ser respeitada a livre e espontânea vontade do fiador quando da assinatura do contrato, não cabendo ao Estado intervir “paternalisticamente”, ou seja, protegendo a livre iniciativa e autonomia contratual.

Cabe salientar que o debate na Corte Suprema envolve apenas os fiadores de contratos de locações comerciais, não abrangendo os fiadores de contrato de locações residenciais, em que continua pacificado o entendimento de que podem ter seu bem de família penhorado, sendo mantida a tese 295 do STF.

Enfim, fato é que o debate em questão traz uma enorme insegurança jurídica no mercado locatício, com possibilidade ainda de grandes mudanças caso a inconstitucionalidade seja declarada, pois as exigências futuras dos locadores, que buscarão garantias mais efetivas e menos suscetíveis a interferências legais, deve encarecer a contratação e prejudicar ainda mais o mercado, afetando as duas pontas, Locadores e Locatários.

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